quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Capitães da Areia, este é o meu livro!



Nota prévia: 

A Profª Sara Marques Pereira, Directora da Biblioteca Geral da Universidade de Évora, lançou-me o desafio de iniciar a rubrica "O meu livro" do Boletim da Biblioteca. Tendo aceitado, escolhi "Capitães da Areia", de Jorge Amado. Foi este texto publicado em Outubro, 2013, para além do poema "Dora, capitã da areia", que amanhã será publicado aqui no blog, podendo ser visto aqui, pp 66-70, neste endereço

http://issuu.com/bgue/docs/boletim_outubro_issuu




Capitães da Areia, este é o meu livro!


Capitães da Areia, de Jorge Amado, publicado em 1937, aos 25 anos, logo preso, logo queimado o livro em praça pública…
Assim era, então, a Liberdade…
Como poderia eu, depois, dizer não à Liberdade?!
Sim, o teu nome é Liberdade!

Uma nota prévia sobre os Capitães da Areia no meu contexto histórico: No ano de 1969 concluía, em Coimbra, o ensino secundário (tendo sido, então, premiado pelos resultados obtidos) e entrava para Engenharia. Foi ano, ainda eu no Liceu, de greves académicas, incluindo a exames, dos estudantes universitários. Em 1971, lá para Outubro, ia para o Técnico, em Lisboa, onde concluía o curso em Março de 1975, depois de um semestre ter sido anulado, fechada a escola, fechada também a cantina. Que tempos!... Tempos esses que foram de fortes movimentações e greves estudantis, e morte, com a repressão solta e a liberdade presa, tanto quanto o podem ser. Em Março de 1972, lia As Mãos Sujas, de Sarte, livro que conservo ainda com a capa coberta com o papel da livraria, na Avenida de Roma, que eram muitos os olhos e os olhares indesejados. Abril nascia em 1974, no dia 25, de tempo feito, embora a ferros suaves em forma de cravo e depois de ameaças de parto. No verão de 1975, por concurso, vinha para a Universidade de Évora (então, Instituto Universitário de Évora, tendo dado a sua primeira aula, de Matemática, em 10 de Novembro, em conjunto com os Colegas Mercês de Mello e Carlos Braumann), depois de ter passado, poucos meses, por Charleroi, na Bélgica, em estágio de micro electrónica aeroespacial.

Capitães da Areia que li por volta dos dezoito anos, por certo em 1969, talvez em Coimbra em livro meu (por onde andarás que não te encontro?...), ou talvez em livro de uma biblioteca itinerante da Gulbenkian num desses verões em Talhas, terra quente do nordeste transmontano amaciada ali pela leitura refrescante dos clássicos.
Muito obrigado, aqui de novo o digo, aos que me deram letras e livros.
Muito obrigado, Pais, Professores, a ti também, Gulbenkian!

Capitães da Areia em ondas de miséria lavadas na luz das estrelas e nas ondas do mar, voando depois pelas traduções, pelos países, pela rádio, pela televisão, pelo cinema também de uma neta de Jorge Amado (aquando do centenário do seu nascimento).

Capitães da Areia feitos de garotos sós sem lar, poetas da rua abandonados, vadios, perdidos, na rua encontrados à procura da sobrevivência solidariamente entre eles repartida, fraternalmente, malandros por tudo e por nada e acima de tudo por necessidade e defesa, em sociedade organizada com regras e chefes num trapiche abandonado, velho barracão de praia, livres com a mão de um Padre quase rebelde gostando deles, querendo-os Homens.

Capitães da Areia de que nasceram no seu próprio tempo, para além dos outros, os outros um dia em si mesmos encontrados ou para sempre perdidos, um Artista (que nasceu do Professor, que roubava livros para ler e que os partilhava com os que não sabiam ler, só ele o sabia fazer…), nasceu um crente profundo (do Pirulito ele nasceu, ajudante do Padre José Pedro em terra distante) e nasceu também um líder, político, sindicalista, revolucionário (que nasceu do Pedro Bala, loiro, chefe dos Capitães, que soube ser filho de um Loiro sindicalista em greve assassinado, namorado de Dora, seu esposo na última noite e logo pela manhã seu viúvo, que raio de vida…). E, assim, Jorge Amado coloca aqui, entre outros, três pilares essenciais (digo eu: a sabedoria, conhecimento, cultura, criação; o sagrado, interior, reflexivo, guardião do templo; e o profano, política, transformação, sociedade) entre si ligados no que é o Homem inteiro, pilares aqui nascidos dos meninos e neles cimentados, meninos filhos dos homens que nunca foram meninos, como diria Soeiro Pereira Gomes na dedicatória dos seus Esteiros, que comprei e li aos dezanove anos, na primavera de 1971 (conforme escrevi então nesse livro de bolso), navegando por águas do mesmo mar de Jorge Amado.

É difícil dizer, entre tantos e tantos livros marcantes cedo lidos, este, este é o livro!
Capitães da Areia, este é o meu livro!
Obrigado, Jorge Amado, que nunca foste Prémio Nobel!


José Rodrigues Dias (Professor Emérito), 
Évora, 2013-07-03